UMA PROSA SILENCIOSA COM OS TRÊS SANTOS JUNINOS! - Isis Maria Cunha Lustosa

27/06/2020 10:47

 

Encontrei com Antônio na fabriqueta de pão. O Santo estava pensante, pois na fase Pandemia, não pôde sanar, no seu dia, algumas fomes de humanos doando, como de costume, o aguardado Pão de Santo Antônio...

Assim, iniciou-se o mês de junho, com todas as Festas Juninas sendo canceladas, desde a de Santo Antônio de Pádua, o aludido casamenteiro, regozijado no dia 13.

Quermesses na Quarentena!

Santos reverenciados on line!

Em seguida, ainda andante, avistei na mata, em passos calmos, o João. Ele, o Santo batizador, recolhendo para doação os troncos e os galhos caídos, que antes serviriam como lenha para a sua homenagem na fogueira da Festa de São João do Batismo. Menos apadrinhamentos no momento confinado! Igreja Católica bastante contrariada!

Encostei-me ao seu lado no modo prosa silenciosa, o Santo João Batista, então, narrava para si, com a simbólica mão direita elevada: “Não é possível acreditar, Senhor, que as Festas Juninas, nesse ano 2020 de Covid-19, não terão os seus numerosos Arraiás.”

Nordeste brasileiro sem o norte e sem o braseiro da lenha virada fogo alto triangular.

A fogueira esse ano não está armada, nem queimará circundada pelas multidões. Não há balão luzente, nem bandeirinha a balancear o colorido, nem festa mão com mão e canto livremente, frente a frente, sem contágio.

Estamos sem bônus junino!

Quanto ônus humanitário!

Das Quadrilhas, antes festivas, na fase Pandemia, no Brasil dividido, país de Presidente sem partido, só restaram as quadrilhas confabuladas de políticos e as do coronavírus a saltar uma fogueira universal.

Nordeste sem arrastar o chiado, daquele chinelo guardado, no salão, com forró, xote, xaxado e baião. Estamos, sem exceção, escorregando no Pau de Sebo, o qual era apenas uma brincadeira animada de Festa Junina ensaiada.

Escutei, ainda que abafado, o choro bem sentido da Sanfona, do Triângulo e da Zabumba, acolhidos tristemente dentro do Matulão nordestense.

Depois, segui um vulto, alto, barbado, carregava um livro na mão esquerda e duas chaves com cores distintas na mão direita, era Pedro, o ex-pescador/apóstolo com legado de primeiro Papa, mesmo tendo negado Cristo por três vezes. Pelo semblante, parecia bem extenuado como estão os humanos, em especial, os mais desassistidos ou totalmente desamparados.

O São Pedro, o Santo Portal do Senhor, abre e fecha a porta suprema e finaliza, no seu dia 29, o período anual das comemoradas Festas Juninas.

Ele, Pedro, transparece mesmo arrebentado com tanta mortandade pandêmica, pois abriu excessivamente, sem Santo Interino, e sem aviso prévio, aquela porta dos Céus.

Pedro, o Santo, teria a própria Festa de São Pedro, igualmente a de Antônio e de João,  com muita gente nos salões a céu noturno aberto. Momento em que ele, anualmente, sossegava junto às duas chaves e o livro; o Antônio com outro livro acomodando o menino Cristo nos braços e o João ao lado do Cordeiro sustentado, na sua cruz, como um cajado; os três, vendo pessoas a dançar, comer as comidas regionais e viver a festividade nordestina espalhada nas outras regiões nacionais.

Tudo isso, o trio de Festas Juninas das Colheitas foram, como expressado, evitadas de acontecer. É o certo, nossa única e acertada solução, na gravíssima situação mundial.

Igualmente faz a Covid-19, perdemos o paladar e a oportunidade de exercitá-lo nos sabores dos Arraiás.

Ano 2020, sem as Festas Juninas esperadas. Sem barracas de iguarias. Sem as comidas a base de milho, a sustância dos dançantes das Quadrilhas e participantes, não mais soltos no lugar.

Ah! Quanta saudade boa! Saudade do paladar, a canjica saborear. Beber o aluá. Grudar  pé de moleque na boca. Sentir o aquecido cuscuz de milho. Assim como, o quente mugunzá, baião de dois, paçoca, bolo de mandioca e a tapioca com queijo de coalho. Tudo isso, nessa Pandemia, transformou-se em uma saudade oca. A representação é Festa de Santo Antônio, São João e São Pedro, sem vidas nos salões. Quanto estranhamento, até para o afetuoso Jumento.

As festividades de junho estão sendo uma representação em casa, para quem possui casa, com a memória afetiva aguçada e a tradição dita mantida. São modalidades de Arraiás distantes, virtuais, com isolamento social.

Põe a máscara estampada de Antônio, João ou Pedro se for soltar, ao menos, um rojão em prol da nossa saúde.

Nós, esse ano, não estamos em um salão de linda Festa Junina.

Tentaremos animar a vida com a arte decorativa de cordão de bandeirinhas coloridas na varanda da nossa sala. A gata da casa admira e aprova!

Teremos aquelas comidinhas regadas de saudade, temperadas com a mão nordestina.

Para a imunidade, sem pena, depois de pronta a minha versão do Aluá de Quarentena, pingarei a curtida cachaça para aluar o gengibre e acordar o paladar.

Uma cachaça para mim e outras três doses ao vento, para saudar os três Santos.

Como diria o poeta Patativa do Assaré: "cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino"[i], cada qual no seu web Arraiá, em volta da mesa decorada com a chita para colorir e, quiçá, a noite animar.

De simpatia junina vale fazer como uma recém lida e, portanto, reverenciar aos três SANTOS com aquele expirar intenso, sem Covid-19, e gritar como numa Quadrilha Junina Nordestina: #FORADEVEZFALSOMESSIAS.

Vençamos a Pandemia, pois temos Partido, a vida humana, além da fauna e flora terrena!

Findo a minha prosa silenciosa, nordestina, com a lacuna junina no salão da saudade! 

 

Brasília. Brasil. 26 Junino em Casa de 2020.

Fotografia e arte decorativa da autora.

 

Isis Maria Cunha Lustosa

Pesquisadora Externa Laboter/IESA/UFG – Brasil.

Pesquisadora do Proyecto UBANEX/UBA/FFyL - Argentina.

isismclustosa@gmail.com

 



[i] ASSARÉ, Patativa. Cante Lá que Eu Canto Cá – Filosofia de Um Trovador Nordestino. Editora Vozes, 1982. Disponível em:
< https://www.estantevirtual.com.br/livreirodosaracas/patativa-do-assare-cante-la-que-eu-cante-ca-filosofia-de-um-trovador-nordetisno-1785434889 > Acesso em: 22 jun. 2020.