OS INFINITOS MARES - Eguimar Felício Chaveiro

20/07/2011 12:00

 

Sob o cheiro piscoso do São Francisco e sob a névoa seca que golpeia a estação, a nossa estada em Pirapora é aglutinada por contemplação e aprendizagem. O Velho Chico por aqui é silencioso e transbordante. O seu silêncio possui vozes de pescadores, povos indígenas, camponeses, cabaçeiras de Janaúba, como pela associação de Artesãos e pela associação Mulheres do Cerrado; e o seu transbordamento - que se dá pela rica ação simbólica de sua gente simples na fronteira do Cerrado com a caatinga - é paradoxal: a sua vazão diminuiu como cresce a luta em sua defesa. E pela sua compreensão.

A aprendizagem é uma marca da sobrevivência. A transformação do coco de catulé em bombom, juntamente com o sabão de coco de macaúba, óleo de buriti, argila medicinal, cavalinha para afecções dos rins,  extrato de guaco como broncodilatador; goma de lobeira para curar diabete; gravatá do Cerrado para organizar o intestino; e farinha de inhame se estendem na rede que envolve a economia solidária de beiradeiros, a luta da pastoral da criança, o movimento que luta contra a violência sofrida pelas mulheres.

A negritude do povo bendiz a sua simplicidade. O riso fácil e a comunicação ligeira são artefatos certos para o encontro e para o diálogo, para o acolhimento e para a esperança. Mas a contaminação do rio, o índice de toxidade, a exposição do granito do seu assoalho são, junto com o desemprego, com a pobreza, com a fome e com diversos tipos de doenças, uma ameaça renitente, uma ferida nessas águas gigantes. É como ver bêbados, mendigos e pedintes se misturarem com a gente alegre que recria coletivamente o velho Chico transformando água, símbolos e luta política num único curso: o território franciscano do norte de MInas. O que aqui se chama defesa coletiva do São Francisco inclui a aprendizagem e cooperações no trabalho com  Gergelim, plantio de linhança, proteção da saúde de pescadores. O suor derrama para a arte das correntes humanas.

Pirapora recebe bem o Velho Chico que se estende com o seu vaticínio de rio da integração nacional. Nada é muito complicado fora o clamor que todos estão convidados para compreender mais fundo a recomendação de Guimarães Rosa: o sertão é um mundo. Vida arriba, rio abaixo, água e gente, animais e plantas seguem nesse itinerário em que tudo se diferencia e em que tudo pode estar próximo. Sinto-me próximo e junto ao rio e a essa gente com quem navego rumo as infinitos mares do Brasil.

 

Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras