DEVANEIOS SOBRE PORTAIS: O DIFERENTE DOS IGUAIS - Avacir Gomes dos Santos Silva

02/03/2023 00:07

A cidade que se preze tem um portal. Para aquelas que surgem ao longo das rodovias federais, pelo Brasil afora, o portal é um gênero de primeira grandeza.

O portal marca que você adentrou o espaço urbano da cidade. Este registro, tradicionalmente, consta de uma expressão na entrada: SEJA BEM VINDO, ou SEJAM BEM VINDOS. Nunca encontrei um portal com: “SEJAM BEM VINDAS”.

Na saída da cidade outro portal, não tão grandioso como o primeiro, com a frase de despedida: “VOLTE SEMPRE” ou “BOA VIAGEM”.

Nas minhas primeiras andanças de motorhome passei a matutar sobre os portais.

Além do bem-vindo e volte sempre, os antigos portais trazem uma insígnia, talhada em madeira, cimento ou escultura, do traço cultural da cidade: um ramo de café, uma fruta, um animal, os trilhos de uma ferrovia, um carro de boi, monumentos em homenagem a uma personagem importante e as inúmeras estatuetas de Santos e Santas padroeiras e um tanto mais de réplicas do Cristo Redentor. Estas me dão a impressão de que o Cristo vai cair de frente e se espatifar no chão a qualquer momento.

Junto aos portais é possível encontrar os símbolos da maçonaria, do Rotary e do Lions Club ou um atestado religioso de posse: a cidade tal “Pertence ao Senhor Jesus”.

Pela indicação da simbologia do portal era possível deduzir a veia econômica, o atrativo turístico, a origem, a família mais importante ou credo religioso prevalecente na cidade. Quanto maior for a ostentação do portal mais próspera é a cidade.

Os antigos portais das cidades cortadas pelas BRs são espaços de socialização dos moradores. Em geral, os portais ficam próximos a uma árvore com uma frondosa copa, dona de uma sobra exuberante. Ao lado ou embaixo da árvore um banco de madeira. Sombra e banco: convites perfeitos para uma boa prosa.

Ao passar por esses portais agregados as expressões de acolhida e despedida veremos um grupo de homens sentados, jogando dominó, baralho ou simplesmente “jogando conversa fora”. Também nunca encontrei mulheres “a ver navios” nesses lugares.

De uns tempos prá cá esses cenários bucólicos dos antigos portais são cada vez mais raros.

A novidade agora é um portal reduzido a um típico: “Eu        Paraíso.

Há de se perguntar: quem é esse Eu? Essa imagem de coração significa que amo esta ou aquela cidade?

O antigo portal, com seus geossímbolos, que revelava traços da cidade agora foram substituídos pelos novos, que não dizem nada.

O amar a cidade requer da pessoa um sentimento de pertencimento ao lugar. Esse pertencimento está ligado a topofolia, as boas vivencias do indivíduo com o espaço ou as memórias afetivas do espaço dos tempos da infância. Y-Fu Tuan, que não me deixa mentir.  

Então, o sujeito não poderia amar a cidade apenas por passar por ela. Isso seria impossível para os humanistas e culturalistas. O amor é pago com o tempo custoso.

O que era espaço de encontros e prosas passou a ser um espaço momentâneo. Nada de árvores, sobras, bancos, gentes e “conversa prá boi dormir”.

Os novos portais ficam à céu aberto.

Agora, o de fora, se aproxima do portal tira uma self , que será postada nas redes sociais, e segue a viagem, sem saber nadica de nada da cidade.

Transformar os diferentes em iguais. Eis a máxima da tal modernidade (ou da pós-modernidade). Fim do tempo devagar, fim da prosa, fim dos lugares de aconchegos, fim dos encontros. A novidade é ser igual, é ser veloz, é ser fugaz e espetacular. Mas, enquanto existir o diferente dos iguais há de restar aquela tal esperança.

Portal da cidade Paraíso do Tocantins (Arquivo pessoal, 2022)

 

Portal da cidade Chapada dos Guimarães (Arquivo pessoal, 2022)

 

Por: AVACIR GOMES DOS SANTOS SILVA