O CERNE DO MEU SONHO - Eguimar Felício Chaveiro

20/12/2011 12:00

   

    Vieram em minha mente dois princípios de que disponho para conviver e conversar com o mundo: é sempre urgente despurificar a imagem que temos de nós mesmos; e é, igualmente urgente, que não nos classifiquemos como campeões brasileiros de ideias, feitos, fatos - e jogadas. Por falar em jogada, uma que protagonizei arrebenta todos os princípios que enunciei.

    O jogo estava no segundo tempo. Jogávamos no campo do Grêmio trindadense, em Trindade, lógico. A bola veio do adversário ao meu encontro. Antes da linha da grande área, percebi a sua trajetória. Peguei-a gingando e em velocidade ameacei chutar para que os zagueiros escondessem o rosto e virassem o corpo à escura. Foi quando dei a passada larga, puxando a bola da direita para a esquerda. Ameacei chutar de esquerda, trazendo a bola para a perna direita novamente. O ziguezagueamento era como se eu tivesse no fim da acrobacia num picadeiro imaginário.

    Já havia passado pelos volantes. Os dois últimos zagueiros, com a ameaça do chute e a sua virada do corpo contra o frontal da bola, tinham perdido o tempo da bola e a colocação no espaço. Impávido e compenetrado, o espaço pareceria ceder à minha ávida alegre dança. Fiz que ia chutar ao gol, retirei a bola pela direita. O goleiro, atabalhoado pressentiu tudo: a baliza me chegou escancarada e aberta como um paraíso em três dimensões. O pulmão estendia-se aos músculos.  O coração animava os pés.

    Tudo pareceria severo e circense. Toquei de perna direita no canto esquerdo do goleiro. Foi o meu gol. O que nunca saíra da minha memória. O meu júbilo. A realeza de minha sensação. A minha contribuição à estética. A minha filiação à cultura brasileira. A minha dádiva ao torcedor. O presente do improviso.  A celebração da minha carne. Nesse gol havia a estrela solitária; havia também o elástico; o sem-pulo. O rabo de vaca, o vai-que-não-vai do Mané. A legião preto-e-vermelha gritando mengooo. O sentimento da  minha primeira brincadeira infantil com o meu pai; a celestial paz que se procura. O cerne do meu sonho: brincar e narrar; jogar e inventar.

 

Eguimar Felício Chaveiro
Professor Associado do IESA/UFG
Membro da Academia Trindadense de Letras